Ainda que eu deseje sonhar.

Fiquei imaginando o que aconteceria se eu encontrasse meus sonhos. Se estivesse andando por uma rua escura e vazia, aonde os únicos sons que chegavam aos meus ouvidos eram os de meus próprios passos. Imaginando o que diria a eles, como diria, se pediria algo.

Não consegui chegar a uma conclusão viável, ou no mínimo normal. Talvez eu devesse fingir espanto, ou apenas sorrir. Talvez eu devesse ensaiar diante do espelho, as falas, caras e bocas que eu faria na hora. Mas o vapor que minha respiração causa no vidro já sujo me impede de ver meu próprio rosto.

Por muito tempo me julguei decepcionada com a mesmice do mundo e das pessoas. Mas um dia acordei e percebi que eu era a decepção. O espelho ajudou muito na certeza dessa descoberta, e isso me fez chorar. As lágrimas que escorriam pelo meu rosto eram quentes, e salgadas, diferentemente dos sonhos que eu possuía no dia anterior.

Eram sonhos doces, inocentes, cegos. Eram sonhos lindos, com uma voz harmoniosamente aveludada, que infelizmente não puderam ser entendidos ao tatear, no escuro, os ouvidos de uma moça surda. Não surda. Distraída. Fechada para as necessidades mundanas.

E então, eu abdiquei desses sonhos. Tranquei-os numa caixinha de madeira, coberta por veludo vermelho, em forma de coração. Tinha uma pequena fechadura na frente, da qual a chave eu joguei pela janela. Talvez esteja em algum lugar da relva verde, lá embaixo. Mas talvez seja tarde demais…

Agora, eu ainda choro. Meu pranto é desmedido, talvez eterno. Ainda que o cheiro de capuccino invada minhas narinas. Ainda que eu perceba que todos os meus textos e esboços têm muitas especulações, mas que tudo não passa de ‘talvez’. Ainda que a televisão fale sobre algo que não me interesse. Ainda que o escuro comece a tomar conta do meu campo de visão. Ainda que o mundo me pareça um tédio. Ainda que eu ainda deseje sonhar…